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Bolsonaro diz que teve que "entubar" resultado das eleições e nunca falou em golpe de Estado

10/06/2025 15h16

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) -O ex-presidente Jair Bolsonaro itiu nesta terça-feira que conversou com aliados de alto escalão das Forças Armadas sobre eventuais alternativas constitucionais para tentar reverter sua derrota na eleição de 2022, mas assegurou que nunca houve intenção de praticar um golpe de Estado.

Durante as duas horas de depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) no processo em que é réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente confirmou ter participado de "uma ou duas reuniões" com a cúpula militar, como os comandantes das Forças e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ocasiões em que teriam discutido alternativas para o resultado das urnas. Contudo, ele disse que não havia "clima" e que decidiram "entubar" a derrota eleitoral.

"Não tinha clima, não tinha oportunidade, não tinham uma base mínima para se fazer qualquer coisa", disse. "Não havia da nossa parte uma gana de procurar, mesmo sendo -- vamos supor que viéssemos a encontrar remotamente algo na Constituição -- não existia essa vontade. O sentimento de todo mundo é que não tínhamos mais nada o que fazer", acrescentou o ex-presidente, afirmando que "não foi sequer cogitada hipótese de golpe no meu governo".

"Se tivesse que ser feita alguma coisa era lá atrás, via Congresso Nacional, não foi feito, então tínhamos que entubar o resultado das eleições", disse.

Para Bolsonaro, se ocorresse, a consumação do golpe de Estado seria danoso para todo o país.

"O golpe até fica fácil de começar, mas o after day é que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não podia ar por experiência, certo? Não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe", acrescentou.

Bolsonaro itiu que teve contato de forma rápida com um documento sobre alternativas à derrota eleitoral, mas negou que tenha feito alterações ao texto -- contrariando declaração de seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que firmou acordo de colaboração premiada, de que ele teria "enxugado" a chamada "minuta do golpe".

"Foi ado na tela ... de forma bastante rápida ali", disse Bolsonaro, ao ser questionado sobre a chamada "minuta do golpe" pelo ministro relator Alexandre de Moraes.

O ex-presidente afirmou, porém, que não poderia ser considerado como um documento que tratasse de um "golpe".

Segundo declarações de testemunhas e réus no processo, foram nesses encontros, ocorridos após a derrota para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, em que Bolsonaro e aliados teriam discutido a chamada "minuta de golpe" para impedir a assunção do petista ao Palácio do Planalto.

DESCULPAS E PIADAS

Inicialmente nervoso, Bolsonaro chegou a pedir "desculpas" ao ser questionado por Moraes por ter dito em uma reunião oficial que ministros do Supremo teriam recebido milhões de dólares.

"Não tenho indício nenhum de que os ministros do STF teriam levado milhões de dólares, me desculpa", disse ele, referindo-se a uma gravação da reunião que foi encontrada no telefone celular do seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, delator no processo.

Com o ar do depoimento, o ex-presidente se soltou, defendeu realizações do seu governo e, em tom de brincadeira e mesmo inelegível, chegou a perguntar se Moraes gostaria de ser seu vice na disputa em 2026. "Eu declino", respondeu o magistrado para risos da plateia presente à Primeira Turma.

O ex-presidente contestou a declaração dada pelo ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) Baptista Junior de que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, teria alertado que lhe daria voz de prisão caso tentasse dar um golpe de Estado.

"Houve, no meu entender, um exagero do brigadeiro Baptista Junior. O que eu entendi, que ele estava comigo enquanto eu era presidente, quando perdeu o mandato, ele já estava procurando uma acomodação em outro lugar", afirmou.

Bolsonaro alegou também que os ataques às sedes dos Poderes no dia 8 de janeiro não se tratava de um golpe, negou que tenha ordenado qualquer tipo de ação como aquela e ainda disse que teve sorte de se encontrar nos Estados Unidos na ocasião, insinuando que poderia estar preso se estivesse no Brasil.

"Oito de janeiro não é questão de opinião, é questão de fato; preenche os requisitos? Para um possível golpe, acredito que não", declarou.

Bolsonaro deixou o tribunal sem falar com jornalistas, mas em publicação no X após o depoimento afirmou estar com a "consciência tranquila e o espírito sereno de quem sabe que é inocente e que jamais traiu os valores da Pátria".

No post, o ex-presidente chamou a atenção para o fato de não ter adotado o silêncio como opção durante o depoimento e disse que não buscou "subterfúgios".

"Respondi a cada pergunta com transparência e convicção. Quem tem a verdade como companheira não teme ser questionado - e jamais se curva diante da injustiça", escreveu.

"A verdade não teme o tempo, nem os tribunais. Ela é como o sol: pode ser ofuscada por nuvens, mas jamais apagada. Como diz a Escritura Sagrada, em João 8:32: 'E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.'", afirmou, fazendo referência, como de seu costume, à agem bíblica.

A publicação de Bolsonaro é encerrada com ele dizendo estar mais confiante de que será "o próximo presidente da República", apesar de sua inelegibilidade.    

Bolsonaro tornou-se réu no STF no final de março sob a acusação de tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes após perder a eleição de 2022 para o atual presidente Lula.

Pela denúncia da Procuradoria-Geral da República, o ex-presidente é acusado criminalmente de chefiar uma organização criminosa que tinha por objetivo desestabilizar o sistema eleitoral e posteriormente articular o impedimento da assunção de Lula ao Palácio do Planalto.

Na véspera, no depoimento mais contundente entre os réus, o delator Mauro Cid confirmou os termos da colaboração premiada e disse que Bolsonaro "enxugou" uma minuta de golpe que estava sendo discutida para prever apenas a prisão de Moraes.

Ladeado pelos advogados Celso Vilardi e Paulo Amador, o ex-presidente disse que sempre foi um crítico do uso das urnas eletrônicas, mas que "em nenhum momento" desrespeitou uma ordem do STF.

O ex-presidente foi o sexto a depor nesta fase do processo, na mais aguardada das falas. A expectativa é que o caso seja julgado em outubro.    

(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello; Edição de Pedro Fonseca)

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